sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Reflexão de cena do filme A Liberdade é Azul 02/02


Olá pacientes-leitores, tudo bom com vocês?
Espero que estejam. Hoje é a 'publicação' da segunda parte minha reflexão Fenomenológica me baseando, principalmente no conteúdo lecionado na PUC e em textos do Rollo May -de quem eu sou um grande fã! Vamos ao que interessa.
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2ª Cena escolhida. O momento que Julie Vignon encontra em sua nova moradia uma proliferação de ratos e não consegue agir diante deles, a não ser pedir a um de seus vizinhos um gato emprestado para exterminá-los.

No momento em que se encontra em seu novo apartamento, após chegar de compras, ela abre a porta da dispensa e se depara com uma ninhada de ratos. Sua reação é como de qualquer outra pessoa, mas podemos perceber sua reação seguinte que altera o limiar das ações. Nesse momento ela se encontra com uma imagem de família. Uma imagem que não pertence mais ao mundo dela. Uma relação inexistente, ou que ela pensa ser inexistente a partir do momento em que foi a única sobrevivente do acidente que esvaiu com sua concepção e ideal de família.

Ela acredita estar no mundo, mas sem apego aos seus bens, conhecidos, sem nada. Sem significados. Sem manter relações. Sem um Mitwelt desenvolvido, a partir da concepção de que o Mitwelt é o mundo compartilhado em que se mostram as possibilidades das suas relações.

Pela transparência do seu ser e suas ações, vemos que no âmago de Julie Vignon há a presença da culpa e da vivência de uma angústia real. Ela convive com a ninhada de ratos por algumas noites, sem conseguir dormir direito e se desligar dessa relação, sem conseguir não pensar e resgatar suas lembranças de família. Essa ameaça antológica da existência permeia-a como um assunto inacabado, como algo em que há uma necessidade de viver, de ser, ao mesmo tempo em que o não-ser é a melhor das escolhas. Uma iminência presente no seu cotidiano.

Em uma apreciação geral, podemos dizer que ela não foi capaz de dizer adeus a sua família, não finalizou sua relação com seus familiares de uma maneira saudável para si, não completou o ciclo e então, se mostra ainda dependente daquela vivência inacabada. A persistência dessa relação cria uma dor, uma culpa, através da repetição do ocorrido e é por isso que não consegue exterminar os ratos com a vassoura e necessita do gato. Ela sente--se impotente diante da ação e ao colocar o gato dentro da dispensa com os ratos, tem esperança que solucionará esse ‘problema’, que na verdade não passa de sua relação familiar incompleta.



Espero que tenham gostado das duas reflexões e fico aberto a sugestões, como sempre obviamente, e gostaria também que as pessoas que lessem deixassem um comentário não só sobre o texto, mas com alguma proposta para o próximo post, que tal? O blog é feito não por mim apenas, pois sem vocês, não haveria motivo para ele existir.

Obrigado pela leitura e até a próxima consulta.

Mah.luco






segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Reflexão de cena do filme A Liberdade é Azul 01/02


Uma breve explicação.
Devido a uma vida agitada, correria com a faculdade, vida social e afins, não pude mais publicar durante certo tempo, mesmo tendo prometido aos meus fiéis leitores-pacientes. Peço humildes desculpas e espero retornar o mais rápido possível com a rotina do nosso consultório.

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O Post de hoje é um pedaço de um trabalho muito bem sucedido realizado na matéria de Psicologia Fenomenológica, na qual pretendo me aprofundar melhor futuramente.

A cena escolhida para trabalhar foi:

Após o acidente que mata sua família, Julie Vignon é internada em um hospital e tenta se matar tomando remédios.

Sem nem ao menos saber o que aconteceu, Julie Vignon acorda num leito de hospital, com a notícia de que sua família faleceu no acidente, e nesse momento sua reação de perda é incontrolável.

Podemos montar um paralelo com dois versos do poema Ausência de Carlos Drummond de Andrade, em que analisamos a falta que a família pode lhe fazer. Ela fica desnorteada por estar sozinha, e então essa ausência é a falta que sente da sua família, presente nela pela perda de suas relações.

Ausência.

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade



Dando seqüência a isso, ela traça um plano, com o único intuito, de não mais ser. Quebra uma vidraça no corredor para que a enfermeira saia da sala onde são armazenados os remédios e então entra, pega um pote cheio deles e coloca-os na boca, sem nem ao menos duvidar.

Até o momento não há duvida que o deixar-de-ser é seu maior intuito, pela falta de relações que se sobrepõem.

Nessa hora, após permanecer com os remédios na boca por algum tempo, cospe-os. Diante dela pelo lado exterior do vidro do ambulatório, a enfermeira aparece e se entreolham, criando uma relação. Relação de piedade e culpa respectivamente. Elas vão em direção uma a outra e Julie Vignon admite que quebrou a janela, pede perdão e diz, principalmente para si mesma: “Não posso. Não consigo.”. Se sente culpada, e sabe que foi isso que ocasionou a busca pelo não-ser.

A enfermeira mostrasse normal com a ação. Com se já tivesse passado por algo similar, mesmo sabendo que ao fazer algo mais de uma vez, não torna aquilo a mesma coisa, pois se trata de tempos diferentes.

Podemos ver que suas relações de Unwelt, Mitwelt e Eigenwelt estão presentes, em alterações à maior predominância em Julie. O Unwelt auxilia na busca dos remédios, pois o instinto de estar só e o impulso da sobrevivência lhe afetam negativamente. O Mitwelt já lhe mostra que suas relações e compartilhamento do mundo se esvaíram, e ao mesmo tempo, já recriam uma nova relação, com a enfermeira. O Eigenwelt lhe ajuda a compreender que a sua existência ainda é, mesmo sem aquelas relações que se ‘extinguiram’, pois ela pode continuar sendo, com a capacidade de autoconsciência do ser humano.


Espero que tenham gostado. Peço novamente desculpas pela interrupção e espero que não mais aconteça.
Tenham uma ótima semana e deixem seu comentário se possível.

Mah.luco