terça-feira, 1 de junho de 2010

...você agora.


Antes de começar a leitura, inicie a música.



...você agora.

A música tocava. O vinho tinto me incentivava a levantar dessa cadeira a beira da mesa e ir até onde o telefone estava. Mas eu não podia. O que lhe dizer uma hora dessas? Tirei um cigarro do maço que estava no bolso do paletó. O isqueiro havia perdido, como sempre. Estiquei o braço até o armário e peguei a caixa de fósforos. Havia poucos palitos. Tudo bem, pois havia poucos cigarros também. Teria que sair mais tarde para renovar o estoque que cessara. Uma tontura vinda do vinho me consumia aos poucos, como a fumaça do cigarro que começava a velar meus olhos. Não ligava para isso. Não seria a primeira nem a última vez que ocorreriam. De onde vinha a música? Perguntei-me após certo tempo bailando pela cozinha. Sozinho. Decidi seguir o som, mas antes peguei minha taça, completei com o que restava do vinho e só percebi que o cálice estava cheio quando o toque gélido me escorria por entre os dedos e manchava a toalha com pingos leves. Acendi outro cigarro e com um trago longo me esquentei, e esfumacei-me um pouco mais, para seguir o ritmo do piano. Entre passos e goles e tragos, memórias. Memórias antigas. A casa longínqua da infância em que via o pôr-do-sol estonteante, os pés de laranja-lima da praça em que entalhava teu nome junto ao meu, naqueles dias nossos cheios de carinho, dias do teu corpo junto ao meu, dias maravilhosos como a nossa troca de olhares. Até o momento em que deixou de me olhar. A tontura aumentava enquanto não achava a fonte daquela música. Me lembro dos teus olhos cor de mel. Minha vitrola desligada. Eles eram perfeitos de tão simétricos. Os LP's todos pelo chão. Afastaram-se dos meus. Não havia nada capaz de trazer aquela música até mim. Fiquei sozinho. Nada. Traguei mais uma vez profundamente. A vertigem me consumia e não conseguia mais ficar de pé. Me encostei na parede e antes que percebesse, os estilhaços da taça pelo chão da sala atenuaram o som e notei então que o cálice não caíra e se quebrara, mas o inverso. Olhei para minha mão já gotejando como o vinho na toalha, porém o liquido mais denso já manchara minha camisa branca do trabalho, a calça escura e o sapato. Passei a mão na camisa, na calça, na parede para que se interrompesse, mas não parava. O nervoso me consumia, assim como a fúria que despendi em você aquela noite. Não conseguia me controlar. Traguei de novo. E de novo. Meus joelhos começaram a dobrar, mas me segurava. De relance vi sobre a cômoda o telefone. Estava perto de mim. Traria você para perto de mim. Um trago. Um passo. Um deslize. Alcancei o telefone, porém fui ao chão. Trouxe comigo o porta-retrato, o molho de chaves. Deitado no carpete marcado pela mistura escarlate dessa noite liguei para você. Mas uma loucura momentânea tomou conta de mim. Não tomei o último gole do vinho. Não traguei de novo. Não consegui mais manter os olhos abertos. E ao fundo ouvia você dizer ao telefone: -Eu estava pensando em você agora.

Marcos Antonio.

(*obs: Escrito após ouvir a melodia "La Valse d'Amélie (Version Orchestre)" do Yann Tiersen, cedida por CARLO LANZETTA do http://l-evitar.blogspot.com/)

17 comentários:

Unknown disse...

Me tocou profundamente esse texto meu grande amor. Fui, sou e serei seu eterno fã. Admiro como você expressa bem o que pensa e gosto do vocabulário que usa quando se põe a escrever. Escarlate, essa palavra me lembra muito minha infância.

July.® disse...

Sensacional... Escreve muito bem, e coloca todos os sentimentos com a mesma facilidade que junta as palavras, sua soniridade e significado em perfeita harmonia... Você é muito bom nisso, Mah, muito mesmo. Continue assim, quero ler muito mais ^^

Ury disse...

Uma das coisas mais lindas que li. Mas eu não esperava qualquer coisa MENOS linda, vindo de você. Valeu pela força, queridão.

Thiago Almeida disse...

Nem sei o que dizer.
perfeito.
Quase choro.

Unknown disse...

muito foda manow

e essa musika deu o toque perfeito pqp

Unknown disse...

fodaaa manow

a musika deixou ainda melhor

Will disse...

instigante =D

Luana Carolina disse...

Lindo, muito profundo.

Não esperava tamanha profundidade, sensibilidade estonteadora, moço.

Vanessa disse...

fuck, mah D:
que lindo!
me deu uma agonia, um aperto, uma urgência
boa literatura pra mim é feita disso, de palavras que trazem para o físico o que foram feitas pra afetar no psicológico

lindo demais, parabéns mah!
[se publicar alguma coisa um dia, me avise u_u]

DaniK disse...

Lindo, lindo... simples assim... profundo de tocar a alma... as borboletas estão saindo?! ou chegando?! só sei que andam voando em volta de ti...

Anônimo disse...

Que lindo Maah.
Ouvindo a musica e lendo seu post, me fez lembrar de algumas coisas...
Vou continuar lendo! (:

By:Yuuh~

Sternenmeer disse...

Perfeito, Mah. Extremamente perfeito, adoro as coisas que você escreve, sabes disso. E adoro você também, <3.

tód disse...

Nossa Max, ficou realmente profundo. Você tem um jeito de prender o leitor com as palavras e a sincronia delas. Gostei muito mesmo.

Serjao Samurai disse...

Aeee agora tenho um psicólogo *-* q mara

Anônimo disse...

Marcos, cara demais esse texto.
Parecia até que era eu que estava dentro dele, a música que você colocou lança o leitor totalmente dentro do texto e da situação que você descreve. Muito bom mesmo, sempre que tiver textos novos, me avisa!!
Abração,
Pinho

Unknown disse...

kramba max profundo manu e essa musica pra combina ainda.. fico dahora...curti...

Anônimo disse...

Oi, nossa parece uma eternidade desde que vim aqui a última vez, eternidade maior parece ter se passado desde a última vez que te vi.

Sabe seus posts, textos, redações sempre foram lindos - claro que sou suspeita pra falar - mas como muitos escreveram não poderia vir menos de você; na verdade só passei por que a dias você não me sai da cabeça mas, sei lá uma vergonha estranha me consome e impede de te ligar ou aparecer a sua porta, como se você não fosse mais parte da minha vida e talvez por medo que um dia isso se torne real.

Promete nunca sair dela?

Te Amo muito Mah (e pra sempre)